Já passava de 19h quando Antônio Carlos de Almeida subiu ao palco montado na Rua Gonçalves Ledo, na Cidade Alta, entre o salão de beleza Grande Ponto e o armazém da Leader. “Aquieta-te Censura!/ Por que não te calas, Censura?/ Escolheste o Dia da Poesia para dar tuas caras de novo?/ Como se fosse de novo?/ Ledo engano!”, bradou ao microfone, depois de explicar que os versos, escritos no mesmo dia, homenageariam poetas populares que haviam sido hostilizados pela manhã em Mossoró.
Era segunda-feira, 14 de março, Dia Nacional da Poesia, e tinha início o I Concurso Poético-Performático da SAMBA. Poucas pessoas prestavam atenção em Antônio Carlos,
embora uma pequena multidão tenha se formado um pouco mais adiante, em frente ao bar Bardallos. Da plateia vinham risadas, conversas, gritos de estímulo, pedidos de cerveja, palmas espaçadas. Eram pessoas que haviam preferido o Concurso da SAMBA ao evento oficial, organizado pela Fundação José Augusto, que ocorria no mesmo horário no Teatro de Cultura Popular, em Petrópolis, e com atrações nacionais.
“Namastê”, cumprimentou o segundo inscrito de cima do palco, Darci Girassol, de palmas unidas em frente ao peito, um aceno de leve com a cabeça, antes de ir de “Via Láctea”.
Igor Barbosa entrou decidido, com garrafa de vinho na mão. Levantou as mãos para os céus. “Benção, vô Ernesto”, e botou pra fora “Fome e Banquete”, mas não conseguiu empolgar o público. A noite estava quente e o isopor de cervejas que o Bardallos colocou na calçada esvaziava rápido.
Nem “Quando a moça passou” envolveu o público, embora os três jurados, sentados numa cadeira de boteco e acompanhando tudo com as cópias das poesias em mãos, tenham esboçado uma expressão de alegria. “O poeta pousou na moça/ Seu olhar/ e cutucou o passarinho para ele/ Por som na cena,/ Já a moça? / Olhou para o poeta/ De mão na cintura e disse:/ “Só aceito a canção do passarinho/ Se o moço fizer a letra da música”, recitou quase sem se mexer Jeovânia P. Os jurados eram os poetas Rizolete
Fernandes e João da Rua e o jornalista Sérgio Vilar, que entrevistara João da Rua momentos antes e transmitira ao vivo no blog dele, Diário do Tempo. Jeovânia P. ganharia o primeiro lugar não pela performance, claro, mas pela poesia. “Foi difícil porque as pessoas estavam falando muito alto”, disse depois.
O videomaker Augusto Lula, um homem de barbas, presidente da SAMBA, se aproximou em silêncio. “Queremos discutir a oralidade da poesia” disse-me antes, sobre a intenção do concurso. Ele explicou que o evento não fazia frente ao que se desenrolava no Teatro de Cultura Popular e que a Fundação José Augusto era uma das patrocinadoras. “Nós não podíamos abrir mão de que a SAMBA produzisse algo fora do Beco da Lama”. Não havia regras ou restrições para participação, exceto pelo tempo de apresentação, que
não poderia exceder três minutos. Catorze poetas se inscreveram e apenas um, Josenildo Brasil, autor de “Poema sentido”, não chegou a tempo. Tudo foi documentado em vídeo e fotos.
Wesckley Cunha foi o primeiro que esboçou alguma performance. De cordinha amarrando punho e gargalo da cerveja, colocou: “Quem nunca sofreu de amor/ que me atire a primeira pedra/ Quem não tem medo de amar/ que me atire o primeiro beijo”. Esperou. Uma senhora estalou um beijo nas mãos lá de baixo, ele sorriu, emitiu um grunhido. E continuou, carismático, arrancando palmas efusivas das pessoas que começavam a se aproximar do palco. Ficou em segundo lugar.
O que Jackson Garrido falava não estava escrito. “Boa noite, senhoras e senhores/ apertem os cintos e parafusos/ que a viagem é longa, lombra, dura/ puiiiiiíii/ comer abacaxi”. Uma mulher não se continha, gargalhava alto.
Evento não passa de brincadeira
Ivo Maia não fez performance com “Um olhar sobre meu quintal”, mas chamou atenção pelo chapéu de cangaceiro dourado e a capa branca com estampa colorida. A poesia de Harrison Gurgel estava no livreto “O Poder do Pensamento”, em que ele aparece em posição de Yoga. Entoou os versos quase como quem reza. Ficou em terceiro lugar. A essa altura, o público estava mais interessado, e os concorrentes se aplaudiam com vontade.
Paulo Alves levou o sobrinho como mestre de cerimônias e confidenciou à plateia: “Fiz um desafio a mim mesmo: será que eu não sou capaz de escrever um poema de amor? Só os outros escrevem poemas de amor? Eu não tenho talento para escrever poema de amor”. E depois tascou os derramados “Viajar a outros lugares/ E mesmo assim me afastando/ Estarei sempre te amando”. Depois dele houve mais versos líricos, engajados, poesia de cordel, homenagem ao Beco da Lama e aos poetas.
Não demorou cinco minutos para que os jurados decidissem os ganhadores do concurso. “Achei bem fraco de poesia e performance, mas o foco desse concurso não é revelar poetas, mas dar oportunidade a pessoas de mostrarem suas poesias”, opinou Sérgio Vilar, para quem Wescley Cunha seria o vencedor. “Foi interessante porque apresentou uma diversidade de estilos, e a espontaneidade tem a ver com o estilo do Beco”, ponderou o poeta João da Rua. “Houve coisas que não estavam em forma de poesia: era mais um texto, e algumas performances estavam desconectadas da poesia”, avaliou Rizolete Fernandes.
Quando foram anunciados, o terceiro lugar disse um tímido “obrigado”, o segundo, “é isso aí”, e a primeira, “valeu”. Jeovânia P., que é filósofa e já havia vencido um
concurso de poesias na UFPB, ganhou das mãos do deputado estadual Fernando Mineiro o enorme prêmio criado pelo artista plástico Guaraci Gabriel: uma lâmpada em fibra de vidro de cerca de 70 cm partida ao meio em que o filamento era uma garrafa de vinho. Homenagem a Blecaute, poeta marginal que habitava o Beco da Lama até a década de 90. Os outros levaram livros de escritores potiguares.
Era o Dia Nacional da Poesia no Beco da Lama, e a competição séria e os rigores da academia ali eram uma formalidade que não cabia. A noite continuava quente, o isopor do Bardallos não parava de esvaziar e as pessoas estavam felizes. Mais tarde haveria apresentações do grupo de hip hop Conexão Mil Graus, a cantora Simona Talma e a banda DuSouto.
Reportagem - Luana Ferreira
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