8 de fev. de 2011

Xarias e Canguleiros



"A Pinimba de Xarias e Canguleiros".

Xaria nunca se manca
Só vive fazendo festa
Quero ver a sua banca
Lá na Rua da Floresta.

Eita cangulo fuleiro
Não chega no Alecrim
Apanha de marmeleiro
Da turma da Vaz Gondim.

Sou do Alto da Castanha
Me criei no Maruim
Eu não abro pra meganha
Quanto mais pra Mauricim.

Você não sobe a ladeira
Fedorento a pituim
O povo da Salgadeira
Não gosta de cabra-ruim.

Xaria só diz besteira
Lá na praça João Maria
Trepado numa cadeira
Recitando poesia.

O cangulo da Ribeira
Acredita ser artista
Sua nega é maloqueira
Vive de roubar turista.

Mané do Beco da Lama
Pensa que é valentão
Acabo com sua fama
Lá no Poço do Dentão.

Cangulo da Jordanês
Comedor de porcaria
Troca cueca por mês
E depois joga na pia.

Xaria deixe a frescura
Conheço seu ganha-pão
Só vive de sinecura
No ofício de babão.

Cangulo cabra-de-peia
Lavou convés de navio
Era chave de cadeia
No outro lado do rio.

Por Graco Medeiros


Natal sempre se dividiu nos dois bairros veteranos de seu povoamento: Cidade Alta e Ribeira. A Cidade Alta, historicamente, começava numa colina, vértice do ângulo formado pela junção de duas ruas, Junqueira Aires e João Manuel, no square Pedro Velho. A Ribeira denuncia um alagadiço d’água salobra que se espraiava por toda a Praça Augusto Severo, também conhecido como o Salgado. A maré de preamar vinha lavando desde o pé dos morros, onde passa o final da Avenida Rio Branco, englobando Avenida Duque de Caxias (antiga Avenida Sachet), a tradicional Campina da Ribeira, um terço da rua Coronel Bonifácio e saldos da rua Dr. Barata. (...)
O limite máximo era a ponte. A fronteira comum, entretanto, lindava-se no beco do Tecido, rua Juvino Barreto, extrema atual da freguesia do Bom Jesus das Dores da Ribeira. Dizia-se Tecido a Fábrica de Tecidos que ficava logo depois do beco. Desta fábrica resta a chaminé com a data – 1888.
Entre xarias e canguleiros a rivalidade era velha e durou dezenas de anos. Moleques, valentões, meninos de escola, desocupados, praças do Exército e do então Batalhão de Segurança mantinham o fogo sagrado dessa separação inexplicável. Naturalmente as famílias da Cidade e da Ribeira conviviam com afeto. Os meninos, os criados, esses, encontrando gente de um bairro no outro lado, iam às vias de fato, infalivelmente. O grito de guerra, de ambos os grupos era:
Xaria não desce! Canguleiro não sobe!(...)
Tudo ajudava a dissensão. O Batalhão de Segurança tinha o seu quartel na Ribeira. O Exército o seu na Cidade. Os meninos do Grupo Escolar Augusto Severo eram canguleiros o Colégio Santo Antonio era Xaria. Verdadeiras batalhas se travaram com espadas de arco de barril, pedradas, areia e insultos dignos de toda malandragem de um morro carioca.
A 7 de setembro de 1908 os bondes de burro começaram a subir e descer a ladeira que distanciava a Cidade da Ribeira. A facilidade da comunicação imediata, fácil, barata, aproximou os dois núcleos de população. Meninos, soldados, empregados, valentões andavam para lá e para cá, diariamente muitas vezes, desencantando-se mutuamente. O calçamento da Avenida Junqueira Aires levou esse elemento a ponto de fusão.
Misturaram-se, confundiram-se, uniformizaram-se.
Xarias e canguleiros morreram. Ficou o Natalense...

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: edição IHG/RN, 1999. [Adaptado]





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